quinta-feira, 25 de abril de 2013
José - Drummond
A festa acabou, a luz apagou, tu sumiu do povo, a noite esfriou. E agora? E agora, Anna? Tu que ama, que protesta...Está sem mulher, sem discurso, sem carinho - e já não pode beber. Já não podia, e bebeu. Ficou sem mulher, sem discurso, sem carinho. Cuspir já não deve. O silêncio é o mais sensato. Mas o silêncio corrói. O riso não vem, a utopia se foi e parece que tudo acabou, que tudo fugiu, que tudo mofou. Quer abrir a porta, mas que porta? Qual porta? A chave serve? Morrer no mar? O mar secou. Ir pra São Paulo? O orgulho não deixa - ou seria o bom senso? Se você cansasse, Anna...mas você é dura! Virou uma pedra, como disse a mulher que te escorreu pelas mãos, sempre com "aquele jeito de se fazer de indiferente e se fechar". Mas espera! Espera! Como, Anna? Foi ela, ela mesma que disse no meio de uma frase "Mas a Anna, por ser muito amável..."...
Aí Anna, você fica sozinha qual bicho-do-mato, sem cavalo preto que fuja a galope. Anna, fugir pra onde?
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
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