domingo, 29 de julho de 2012

A política refém do capital


"Um dos paradoxos da democracia moderna: sem dinheiro, não há o exercício do voto; com ele, e no volume exigido, a legitimidade do sufrágio é posta em dúvida. Esse é um dos argumentos de filosofia política contra o sistema capitalista, em que o poder do Estado é visto como um bem de mercado, que pode ser ocupado pelos que pagam mais.
(...)
A inteligência política é convocada a encontrar sistema de financiamento público de campanha, de forma justa e democrática, a fim de que todos os candidatos tenham a mesma oportunidade de dizer o que pretendem e pedir o voto dos cidadãos. Não é fácil impedir a distorção do processo eleitoral, mas é preciso construir legislação que reduza, se não for possível elimina-la, a influência do poder econômico no processo político."

Texto de Mauro Santayana
Integral em: http://cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5707

segunda-feira, 23 de julho de 2012


-  Cadê sua mulher?
- Se foi...
- Pra onde?
- Crescer...

Não sei se o mundo é bom
Mas ele está (estava) melhor
desde que você chegou
E perguntou:
Tem lugar pra mim?

Porque que você chegou
E explicou o mundo pra mim

sábado, 21 de julho de 2012

A família que a gente escolhe


Conheci o Fera quando recém entrei na UJS, oficialmente em março de 2011. Ele é camarada de partido e porteiro do sindicato dos metalúrgicos (onde sempre fazemos nossos eventos, plenárias e reuniões, nossa casa), nosso guardião.

O Fera é um dos caras mais inteligentes, mais sábios (e olha que essas duas qualidades são difíceis de encontrar numa só pessoa...) , mais vividos e com um dos corações mais bonitos que já vi. Ele me conheceu na época que eu recém me mudei pra Caxias e que eu voltava todo dia pra casa a pé e enquanto o povo reclamava de andar de ônibus, eu ficava feliz quando tinha o dinheiro da passagem. Esteve presente em situações de grande dúvida, tensão, mas também das grandes vibrações pelas vitórias da UJS. Foi o cara do partido que mais acompanhou a trajetória dos jovens do PC do B que militam na UJS, pelo menos desde que comecei a fazer parte dela.

Sempre soube que podia contar com ele, conversar, desabafar. Perdi as contas de quantas vezes sentei naquele sindicato e desabafei pra ele todas as preocupações, inquietações, inseguranças, incompreensões. Ele sempre me ouviu com todo o tempo do mundo, orientando da melhor forma e me fazendo sempre continuar, não jogar a toalha por pior que fosse o momento. Em uma dessas vezes, creio que na pior delas, que durou meses, alguns conflitos me fizeram desanimar, pensar em desistir - e muitos desistiram...mas por pessoas como o Fera (e inclusive ele) me lembrarem da importância de não entregar os pontos, resisti...sem saber o que aconteceria comigo, com a entidade, com cada militante, mas permaneci. E fui indicada a presidência da UJS. Valeu a pena ficar, mas não consegui ver isso pelos meus olhos todo o tempo.
Eu e o Fera ficamos muito amigos, mas ele é mais que um amigo pra mim, é como meu pai. Um dia desses me apresentei pra um camarada e ele me perguntou se sou eu a filha do Fera. E sim, é o pai que eu escolhi ter.

Lembro-me de quando no ano passado, depois de uma plenária, a nossa chapa ao DCE foi para um bar no Rio Branco e ele foi conosco. No caminho encontramos uns skinheads que criaram confusão com um camarada nosso, foi o Fera quem ajudou a contornar a situação e acalmou a galera. No final deu tudo certo, passamos todos uma noite bem legal no São Patrício.

Acho que foi nessa noite que contei a ele sobre minha família, minha mãe...e sobre meu pai, nossa relação e ao que levou a gente a não conviver. A história de família dele é muito parecida com a minha, só que em papéis diferentes. Ele foi o pai que esteve ausente, embora com motivos diferentes dos do meu pai. Ele foi o pai que não conseguiu se acertar com a mãe e saiu de casa. Eu fui a filha que os pais também brigavam muito, que o pai tinha vícios que não o permitiam viver em família, até que ele saiu de casa e...virou a página.
Não culpo meu pai. Hoje vejo que os vícios transformam quem é refém deles, não há culpados, não se questiona de quem é a culpa.

O Fera tem uma filha, a Camila. Conheci-a há algum tempo antes de conhecê-la. Sim, conhecia-a desde antes pela compaixão. Não a compaixão derivada das línguas do latim, que com o prefixo com — e a raiz passio, que significa “sofrimento”. É a compaixão das línguas germânicas, onde o significado da palavra assume um sentido de "co-sentimento", é compartilhar da mesma situação, da mesma vivência. Ele comentou comigo naquele dia que a Camila não entendia muito bem o fato de ele ter saído de casa. Eu entendia ele e entendia ela.

Apesar de não morarem mais juntos e do pouco contato, ele sempre mencionava ela, com muitos elogios. Contou que ela começou a participar do movimento secundarista, mas que havia se decepcionado com algumas coisas - e ótimo sinal que tenha se indignado com o que se indignou. Mais pessoas me falavam muito bem da Camila. Um dia adicionei-a no Facebook. Sempre curtia (literalmente também haha) as postagens dela, via uma menina muito coerente, sensata, capaz de ver o que pouca gente vê e - o mais importante - com muita vontade de mudar as coisas. Cresceu vendo a militância do Fera, um exemplo ali dentro da casa. A maioria das pessoas descobre que tem algo errado com o mundo em que vivemos depois que cresce e, depois de algum tempo algumas destas descobrem o quê. A Camila é uma das pessoas que cresceu sabendo que havia algo errado e sabendo o quê.

Chamava-a para as atividades, para os cursos, para os congressos, fazia o convite pra levar o namorado também, sempre fiz muita questão que fosse e por isso eu insistia, mas ela nunca foi. Mesmo assim a gente conversava, compartilhava das mesmas ideias, indignações e vontade de mudar as coisas. Alguém nos aproximou e um dia a Camila veio desabafar comigo que queria militar, mas não via espaço, inclusive por ser jovem. O mundo sempre encara ser jovem como um fato negativo. Disse pra ela se dar uma chance de participar de uma plenária da UJS, onde só jovens fazem parte e onde compartilhamos das mesmas vontades, sonhos e também descontentamentos, angústias. Ela foi e fez ótima participação, desde lá a Camila tem estado conosco, pegado junto e ajudado. Espero que ela permaneça e que mude muita coisa, com todo o potencial que tem!

O Fera continua sendo meu paizão, que eu escolhi pra fazer parte da minha família. Pai quando me ouve e me aconselha, que quando me vê triste conversa comigo até eu melhorar, que quando vou embora de noite do sindicato diz pra eu tomar cuidado na rua e não ficar andando por aí e ir direto pra casa, quando chego depois do trabalho no sindi louca de fome e ele já sabe e me faz comer.

A Camila além de camarada tá se tornando minha amiga, o que me deixa muito feliz.

É muito bom encontrar na vida pais e filhos tão valiosos como o Fera e a Camila, ainda mais quando passam a fazer parte da nossa.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

João Guimarães Rosa

É incrível como por mais que nos sintamos perdidos durante os processos, contanto que não sentemos à beira da calçada e lá fiquemos, as coisas começam a se ajeitar por si. Fluem, vão tomando forma.

Na hora pode parecer impossível, inconcebível, inimaginável, mas só até começarmos...porque o que a vida quer da gente é coragem, o resto às vezes parece ser consequência.

Picasso, um dos grandes gênios da história da arte já dizia que a inspiração existe, mas que precisa nos encontrar trabalhando.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Dos puxões de orelha, da idade, experiências e aprendizado


Todo trabalho exige algo de quem o exerce, o meu (no sentido amplo da palavra trabalho) faz com que eu me supere a cada dia. Preciso estar sempre de bem com a vida, ou pelo menos parecer estar. Posso estar desmoronando por dentro, mas preciso estar sorrindo, disposta a ouvir as pessoas, me conectar, ser gentil, conversar, propor...Falsidade? Não, obviamente! Meu esforço é baseado na ideia de que ninguém tem a ver com os meus problemas e não tem de pagar por eles. Preciso também saber ouvir vários lados e filtrar as ideias, adequar, remanejar, sugerir e preciso também motivar, propor, conduzir, tocar em frente, independente de todo o resto.

Percebi isso mais uma vez hoje, quando numa reunião enquanto as pessoas discutiam e eu estava atirada na cadeira, mexendo no celular...não digo que eu estivesse longe só porque eu sabia que eu não estava em lugar nenhum, aí um dos camaradas me chamou a atenção para as novas tarefas que me estavam sendo dadas e para o papel que tenho que cumprir. Nunca fico brava quando tenho a atenção chamada pelos meus camaradas, pelo contrário. Considero que isso me seja fundamental para despertar de vez em quando. Voltei pra casa preocupada, temendo não dar conta. Tenho 21 anos, às vezes não me sinto suficientemente capaz.

Com 21 anos não serei? Por favor, Anna! Será que não sabes que aos 15/16 anos Joana D'Arc comandava o exército francês que libertaria o país do poder da Inglaterra? Será que me enquanto penso isso me esqueço que aos 16 anos Alexandre assumiu temporariamente o reino da Macedônia e que aos 20 se tornou rei? Que aos 24 anos Camila Vallejo liderou uma das maiores mobilizações estudantis da história da América Latina? Então como posso eu não me achar capaz perante tarefas tão menores? Ser jovem não é não ser forte, não ser capaz. Não somos nós jovens que temos maior disposição e capacidade de transformar a frustração em energia para continuar lutando?!

Apesar de saber que com a minha idade muita gente por aí é chefe de família e tem responsabilidades muito mais duras, considero-me relativamente capaz para os meus "21 anos de praia", como dizem meus pais. Moro sozinha, trabalho, cozinho, lavo as minhas roupas, cuido da minha vida.

Que boa sensação é a de se emancipar, a da autonomia! Desde aos 14, com o hardcore descobri o feminismo, no mesmo ano com as aulas de história descobri o que havia de errado com o sistema. A partir daí comecei a ler Marx, Engels, George Orwell, Simone de Beauvoir, Rousseau...Mas só aos 16 anos tive a primeira das experiências que mais me fez crescer e amadurecer na vida: comecei a namorar. Todo mundo precisa de algo pelo que lutar, sempre tem algo que nos impulsiona, muitas vezes é o amor. Nem sempre - e que bom que não só - o romântico, mas também. No meu caso foi o amor por outra pessoa, sim, mas em primeiro lugar por mim. Foi a minha primeira experiência de enfrentamento, de oposição, coragem e resistência. Tive de achar força e coragem pra enfrentar minha família, a escola e a distância. Resistência pra continuar a luta, pra não abrir mão mesmo estando tanto tempo sem ver quem eu gostava e até sem previsão de quando veria. Amor por mim porque lutava pelo que eu queria, porque eu começava a lutar pelo direito ao proceder, ao querer, ao me posicionar, decidir, escolher. Naquele momento a rebeldia me tapava os ouvidos, hoje sei ouvir as pessoas, considerar diferentes pontos de vista e muitas vezes ceder no que é necessário, mas trago comigo a certeza que sou eu quem devo fazer minhas escolhas.

Saí de casa e essa foi outra grande decisão que mudou minha vida. Nenhuma outra experiência poderia ter me proporcionado tanta vivência, que eu colocasse tanto a mão na massa e o pé no barro. Que me fizesse conhecer tanto o mundo, a realidade da nossa gente, que eu, filha única de advogada de classe média, estudante de escola particular, nunca tinha presenciado. Muita gente não acreditou que eu conseguiria, lembro-me que no começo minha mãe era totalmente contra minha mudança e eu ainda não tinha recebido meu primeiro salário, então passava dias a pão de cachorro-quente e katchup. Mas resisti e me saí bem.

Pensar em tudo isso me dá coragem para seguir em frente, pensar que na minha idade ou com até menos muita gente já fez muito mais! E então seguir em frente com toda a coragem, por saber que o medo nunca foi e nunca será o nosso melhor aliado.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"Queria usar, quem sabe, uma camisa de força...ou de vênus"


É, é bem isso. Queria usar uma camisa de força e a coisa toda para não pensar, não sentir, para que meros devaneios tolos não me torturem.
Ou queria usar uma camisa de vênus, sim, uma camisinha - ainda que no sentido figurativo da palavra. Conhecer outras mãos, bocas, peitos, coxas, virilhas, no esforço de te esquecer...e enquanto isso não acontecesse, ao menos evitar pensar em ti o quanto me seja possível.

Mentira. No fundo, nada disso. O que eu queria mesmo é Neruda que sabe. "Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejeiras.". E o que é que a primavera faz com as cerejeiras, o que quero fazer contigo? Fazer de ti uma pessoa melhor, maior, mais forte, com mais cores, mais bela e, sobretudo, mais madura.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sobre política e jardinagem

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim vocare, quer dizer chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’. No lugar desse ‘fazer’ o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.

‘Política’ vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.

Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’.

O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.

Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.

Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.

Todas as vocações podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.

Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: ‘Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade... Ao contrário dos ‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem.’ Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.

Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs.

Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?

Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns poucos encontram vida e prazer.

Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam. (Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, 19/05/2000.)


Rubem Alves