segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Injuriada?


Se eu só lhe fizesse o bem
Talvez fosse um vício a mais
Você me teria desprezo por fim
Porém não fui tão imprudente
E agora não há francamente
Motivo pra você me injuriar assim

Dinheiro não lhe emprestei
Favores nunca lhe fiz
Não alimentei o seu gênio ruim
Você nada está me devendo
Por isso, meu bem, não entendo
Porque anda agora falando de mim

Chico Buarque
Como desejamos ser desejados por quem desejamos!

sábado, 29 de dezembro de 2012

Confidência do Itabirano (adaptado)

Alguns anos vivi em Jundiaí.
Principalmente nasci em Jundiaí.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Jundiaí, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança jundiaiense.

De Jundiaí trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
[...]
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Jundiaí é apenas uma fotografia na parede
Mas como dói!

Adaptado de "Confidência do itabirano", do grande Drummond.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

O Velho e o Moço


Deixo tudo assim
Não me importo em ver a idade em mim,

Sei do incômodo e ela tem razão
Quando vem dizer, que eu preciso sim
De todo o cuidado

Deixo tudo assim,
Não me acanho em ver
Vaidade em mim
Eu digo o que condiz.

Sei do escândalo
E eles têm razão
Quando vêm dizer
Que eu não sei medir
Nem tempo e nem medo

E se eu for
O primeiro a prever
E poder desistir
Do que for dar errado?

Ahhh
Ora, se não sou eu
Quem mais vai decidir
O que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!

Ah, se o que eu sou
É também o que eu escolhi ser
Aceito a condição

Vou levando assim
Que o acaso é amigo
Do meu coração
Quando fala comigo,
Quando eu sei ouvir
A gente tem mania de se culpar sempre, mesmo quando não pode mudar a situação.

Segurando o choro por sentir. Por sentir triste, por sentir culpada de não querer passar o resto das férias em Jundiaí. Por não poder mudar e não querer ficar assistindo o que não posso mudar.

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada
O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes
Quando pais me encaram, se sorrio ironicamente com os olhos, penso "Você não gosta se mim, mas sua filha gosta. Ela gosta do tango, do dengo, do mengo, do mingo e de costa. Ela pega e me pisca, belisca, me tisca, me arrisca e me enrosca."

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Amputações - Martha Medeiros

Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame. Quando a famosa cena iniciasse, bastaria dar um passeio até à cozinha, tomar um copo d’água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da tevê quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extrema, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito. Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover, e não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o Pedaço de Mim da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida. Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Às vezes, o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho, machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar.

sábado, 22 de dezembro de 2012

The ghost of you

De férias, longe - e acredito que distante -, entre os estudos e leitura de alguns textos, concluo: I can't always just forget her...but she could try.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A pressão vinda de diferentes lados, a vontade de ser diferente...Sartre me entenderia...

sábado, 10 de novembro de 2012

Caminhando na tão conhecida Aldo Locatelli, seu ônibus se aproxima. Subindo, vê em sua direção a criatura de traços finos e harmoniosos, cabelo a la Elvis, cabelos cor de bronze e olhos cor de chuva.
A criatura a fita. Ela, já constante e involuntariamente fechada dentro de si, franze o cenho, lance-lhe um olhar de censura e puxa o shorts para baixo, cobrindo as pernas. Sentiu que olhava para suas coxas.

Segue para o fundo do ônibus pequenino, num misto de sensações e pensamentos.

Por que censurar o ser? Seu olhar em suas pernas havia sido recebido em forma de elogio. Não gostava muito de suas coxas? Sim, mas não só isso. De um dos bancos de trás, ao ver a criatura saindo, seu coração atordoado queria chegar sem ela.

Poderia ter sorrido, parado à porta como quem pega algo na bolsa, iniciar um assunto. Quem sabe pudessem então se encontrar, e quando deitasse a noite, dissessem poesia.

Ela não tem preço, nem culpa nem falsidade. Ela não sabe se entregar, não sabe amar. Algum dia saberá? Toda vez que tentam ela sofre. Pode ser medo, mas como é possível?
Ela desaprendeu a se dar e agora vai ter de pagar com o coração.

Foi só um jeito de viver neste mundo. Coisas da vida.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Ojala Pudiera Borrarte


Ojala y te me borraras de mis sueños
Y poder desdibujarte
Ojala y se me olvidara hasta tu nombre
Ahogarlo dentro del mar
Ojala y que tu sonrisa de verano
Se pudiera ya borrar

...pa' que pares de llover sueños.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Hoje as contradições são tamanhas que não tenho podido manter a serenidade no semblante e nas conversas ainda que triviais. Na despedida de uma delas, com um companheiro querido, preferi parecer vulnerável na verdade do que hostil na omissão.
- Me perdoe, amigo. Creio estar tão nublada quanto esta segunda-feira.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Voo

O clima lá fora não está bom, passo por uma zona de instabilidade. Tenho que permanecer em meu lugar e manter meus cintos afivelados, não há muito o que fazer. Mas ainda há paraquedas.

Ontem em frente ao espelho a imagem diante do vidro refletia turva interrogação. Mas, diferente do alferes de Machado, não vesti a faixa. Permaneci sem, cerrei os olhos, sobrepujei o eu exterior, olhei através e reencontrei o eu interior. Há paraquedas.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

'Cause if I am your Wolverine
Then you're supposed to be Jean Grey
But sorry, honey...phoenixes don't die!

Mrs. Confusion

Here comes another and another
You know you don't want it
Those girls are like a non-stop confusion

Another lover
You don't know if you want her,
You've never want her to be it

You thought you've got it
But all you've got is a hole

Can't you see?
Could be one or maybe three

Mrs. Confusion, make a move

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Minhas pernas me levavam de volta pro trabalho. As coxas doíam, as costas doíam, os olhos pesavam. A rotina intensa, o dormir tarde, o acordar antes  do amanhecer. O estresse, a pressão, o esforço pela calma, pelo equilíbrio. Tocou o telefone, eram os olhos cor de chuva com cabelos cor de sol. O sol queimava, o calor entorpecia, a ligação foi um oásis no meio do deserto da volta do almoço. Ligou para saber de política e eu falava com todo prazer, enquanto me imaginava falando as mesmas coisas em seu quarto fresco, claro, olhando pela janela que trazia o vento, deitada em seu ombro.

E quando anoitecesse, ainda seria dia em seus cabelos loiros. Desmanchando o pijama, o que me pediria entre os beijos? O que me importariam as provocações, tensões, falácias? Sobre mim desenrolariam seus cabelos...

Ainda que já tenha passado no meu coração, há as reminiscências. Sobra o seu perfume.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

França: orçamento socialista taxa mais ricos e empresas


O presidente François Hollande apresentou um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros. O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.
Eduardo Febbro - Paris
Paris - O socialismo francês acaba de formatar uma versão inédita da disciplina orçamentária: o rigor à esquerda. O presidente François Hollande apresentou ao Conselho de Ministros um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros.

No total, esse plano qualificado como “orçamento de combate” se articula em torno da arrecadação de 20 bilhões de euros de novos impostos e de 10 bilhões cortados em gastos administrativos. Os 20 bilhões serão pagos, em partes iguais, 10 bilhões os mais ricos e 10 bilhões as empresas mais lucrativas. A essa soma deve-se agregar ainda outros 2,5 bilhões de euros que serão cortados do seguro social.

No total, se se adicionarem os objetivos deste orçamento mais as medidas votadas em julho passado, o Executivo aposta em obter uma arrecadação suplementar de 40 bilhões de euros. O objetivo não é social, mas orçamentário: trata-se de levar o déficit atual, 4,5% em 2012, para 3% em 2013. A meta, no entanto, se apoia em um cálculo de crescimento de 0,8%, uma variável que os economistas julgam demasiado otimista e tão incerta quanto um número de loteria.

O certo é que, após dez anos de governos de direita e de orçamentos conservadores que decapitaram as classes médias e populares, François Hollande elaborou o primeiro orçamento da esquerda. Não há, cabe dizer, nenhuma reorientação substancial. Trata-se sempre de reduzir a dívida e os déficits, mas sem sancionar aqueles que antes pagavam a conta nem desmantelar o pouco que resta do Estado de Bem-Estar.

O Executivo assegurou que os mais de 24 bilhões que serão arrecadados com os novos impostos virão “unicamente de um em cada dez cidadãos e das maiores empresas”. O cálculo está longe de ser verossímil. O primeiro ministro francês, Jean-Marc Ayrault, assegurou quinta-feira que “90% dos franceses, as classes médias e populares, não pagarão mais impostos. O esforço recairá sobre os 10% que têm mais renda e, entre estes, sobre o 1% mais ricos”.

No entanto, a França sabe hoje que todo mundo terminará pagando algo, ainda que desta vez a redistribuição do esforço será mais equitativa porque rompe com a política da vítima única tão comum quando a direita está no poder. A demonstração em cifras mostra que o Executivo socialista apontou suas calculadoras para as pessoas que tem maiores recursos: as pessoas que têm ganhos equivalentes a 150 mil euros (1%, o que equivale a 50 mil contribuintes) pagarão muito mais impostos do que antes. A partir de 250 mil euros os impostos aumentam exponencialmente. A isso se soma uma taxa de 3% que sobe para 4% para quem ganha na casa do meio milhão de euros. As 1.500 pessoas que ganham esta soma pagarão uma taxa excepcional de 75%.

Antes que fosse divulgado o projeto de orçamento para 2013, os empresários franceses lançaram uma ofensiva e questionaram a filosofia da reforma fiscal. O organismo que agrupa o patronato, o MEDEF, vem dizendo que a chave está tanto na redução do gasto público quanto nos custos necessários para manter um posto de trabalho.

A situação da França é complexa. Há hoje mais de 3 milhões de desempregados e um crescimento que está estagnado. François Hollande deve, ao mesmo tempo, cumprir suas promessas de justiça social sem perder de vista a dívida e o déficit. O contexto, porém, é adverso. O Instituto Nacional de Estatística (INSEE) revelou esta semana que durante o segundo trimestre de 2012 a economia teve um crescimento nulo. O ex-presidente liberal Nicolas Sarkozy saiu em maio passado, mas deixou uma dívida colossal. Nos cinco anos de seu mandato, a dívida passou de 64% do PIB para 91%. François Hollande disse nesta sexta-feira que o país teve “600 bilhões de dívida suplementar durante o último quinquênio. Eu me comprometo a que, no final de meu mandato, não haja nenhum euro a mais”.

A dívida da França tem repercussões enormes. Segundo explicou o governo, o que se cortará e o que se arrecadará no ano que vem servirá apenas para pagar os juros dos empréstimos contraídos, a saber, cerca de 46 bilhões de euros. A missão de François Hollande se parece com a de um desses filmes norteamericanos onde o herói tem que fazer um monte de proezas impossíveis para sobreviver e seguir sendo herói: o chefe de Estado tem que acalmar os mercados, a Alemanha e a Comissão Europeia, zelosa guardiã dos interesses liberais; ao mesmo tempo, Hollande deve corrigir o caminho traçado pela direita que governou durante a última década e manter vivo o moribundo Estado de Bem-Estar. E como se isso não fosse o bastante, também precisa ser fiel aos compromissos de igualdade, justiça e solidariedade.

O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais aprovadas pela direita para essa categoria. O terço final sai dos cortes nos gastos administrativos. Com exceção dos ministérios da Educação, Justiça e Segurança, todos os demais entraram no regime de cortes. Os socialistas estão produzindo um novo filme: “Os caçadores das arcas vazias”. Por enquanto a conta será paga pelos ricos. No entanto, só se conheceu o primeiro capítulo de uma produção que pode trazer muitas surpresas. Os fundos não saem do nada e é muito possível que, de alguma forma, todo mundo termine pagando algo.

Tradução: Katarina Peixoto

Carta Maior

sábado, 22 de setembro de 2012

Registro da falta

Em dias como hoje sinto falta de compartilhar a toalha pra deitar na grama, o banco em frente à lagoa, a janta, as ideias, os pensamentos...

Falta de deitar no teu braço, do teu abraço. Falta de que entendas. Falta da tua voz, do acento. Falta de tudo.

Não é tristeza, não é pesar. É só...falta!

terça-feira, 18 de setembro de 2012

- Tu pega e não se apega, né?
- ... Eu não iludo.
- Mas não se apega, né?
- Não iludo.
- Não divide o coração com ninguém.
- Não sei. Não sei de nada disso.
- O quê?
- O que tu tá falando.

NARCISISMO –II – O mal estar de uma época


O narcisista não tem nada em si que o faça pensar em si mesmo como aceitável pelo grupo social. Ele não existe, apenas vê o reflexo. E os “outros” são o espelho para ele. Se não é notado quando passa, deixa de existir, e em deixando de existir está morto. É assim que se sente, mas atribui o abandono aos outros. Por não ter nada dentro, é incapaz de criar. Só pode repassar, só reflete.

Para outros nem chega a ser o próprio corpo. São as roupas, geralmente de “griffe”, já que todos se vestem de uma única forma, pobre dele se não fizer o mesmo. E assim vemos aos sábados no Shopping Center o espetáculo dos adolescentes vestidos de uma mesma forma e falando um mesmo dialeto.

Outras vezes o carro, o apartamento no condomínio de luxo, a ostentação quantas vezes nem suportada pela conta bancária!

O pior é que a sociedade capitalista se aproveita da fraqueza do indivíduo para engordar seus faturamentos. Há moda para crianças, pré-adolescentes, adolescentes, e não tem fim a busca por novos consumidores.

O que isto nos diz, dentro da visão do Narcisismo?

Não é bem o bebê que se sente feliz dentro de roupas de moda. Uma criança fica feliz bem alimentada, seca na outra extremidade e preenchida em suas necessidades afetivas.

A roupa de marca não lhe diz nada, muito menos o brinquedo caro. Quantas vezes a criança brinca mais com a caixa onde veio o brinquedo que com o próprio?

Mas diz muito para a mãe! Os interesses do bebê não estão em pauta. Ela pensa ser boa mãe. No entanto o que faz é exibir o filho.

Estamos ou não criando psicóticos?

Revendo situações narcísicas, pessoas narcisistas, parece-me que o mal é, como diz Lowen, uma questão cultural de nossa época. Por ser uma questão cultural afeta a sociedade. Torna-se contagiosa.

Todos sentimos, coletivamente, esta frieza que esmaga a sociedade atual. O medo do abandono causado pelo desemprego, o medo gerado pela insegurança física, a alta competitividade, são preços a pagar pelo progresso.

Uma posição particular que defendo em relação ao narcisismo, é que ele seja um mecanismo de defesa do ego, como já coloquei anteriormente. Ou um mecanismo de prevenção que o ego usaria, já tentando antecipadamente se defender de tudo e de todos.

O que o psicanalista pode dizer diante de tal quadro? Pode apenas ajudar seu paciente a viver no mundo, e não contra este.

Se por um lado o narcisista pode passar a vida toda tentando conseguir uma imagem, jamais passa-lhe pela cabeça o quanto de dor e desapontamento ele causa aos outros.

Entranhado em sua própria angústia, que é a de não se conhecer, de não saber com certeza quem é, arrasta ao desespero quem dele se aproxima buscando afeto.

Narciso não sabe amar.

Neste aspecto jamais cresceu, é apenas a criança mal saída do útero, esperando receber e sempre achando que nunca lhe foi dado nada.

Narciso só sabe esperar que admirem sua beleza, que apreciem sua arrogância, e não tentem arranhar o fraco polimento que mal lhe cobre a superfície. Não tem o que dar, não sabe sequer que deve fazê-lo.

Alexander Lowen diz:

“Nossa época é caracterizada por uma tendência a transcender limites e o desejo de negá-los. Limites existem, e factualmente vamos encontrá-los”.

Em seu maravilhoso livro “Narcisismo, negando o verdadeiro self”, Lowen diz que “a rejeição dos limites sociais, expressos em moral ou códigos de comportamento, promove a atitude narcisista”.

Mais ainda:

“Quando uma estrutura se destrói, dentro de uma sociedade, o caos se desenvolve, criando-se uma atmosfera de irrealidade.”

A quebra da estrutura social manifesta na desintegração da família, na falta de respeito pelas autoridades, e no colapso dos princípios morais destrói ligações, remove limites, e leva à negação dos sentimentos e à perda do self.

Na cultura atual isto pode ser descrito até mesmo como estilo de vida.

Afinal somos ensinados a sermos livres para criar nosso estilo de vida e nossa própria personalidade. Contudo, se uma casa sem moradores não é um lar, um estilo de vida sem um self não é uma pessoa.

A ausência de limites atualmente é um produto das mudanças extremas ocorridas após a 2ª Guerra Mundial, muito em função de tecnologias criadas durante e após a guerra.

Contudo para os indivíduos equilibrados, as mudanças servem para que se tenha mais conforto. Já para outros a tecnologia substituiu completamente o senso de valores.

Para muitos, nem adianta perguntar o que é o senso de valores. É algo que ficou perdido no tempo.

Ouso questionar onde estará o senso comum, o respeito, o afeto, as pequenas e grandes coisas que se ensinava no lar e na escola. Esta sociedade brutal, herdeira do consumismo, filha da arrogância, engoliu-as.

Não há porque pensar nos costumes, na herança das civilizações. Tudo foi destruído. O cientista político Lasch alertou o mundo.
Mas Lasch não foi derrotista em seu alerta. O mundo nunca mais foi o mesmo após seu brado. Não acreditaram. Nem trinta anos são passados desde que seu livro foi editado, e a profecia está aí. Realizada.

Lasch avisou ao mundo sobre o risco. Foi contestado. O mundo pagou o preço do descrédito.

Nada resta a fazer agora senão reconstruir.

Como um país destruído que reclama sua reconstrução, a sociedade como um todo precisa ser refeita.

Ciência, política, sociedade, ser. Tudo está ainda por merecer conserto.

E então penso em Narciso, rindo para si mesmo, uma imagem movendo-se com o mover das águas, e sinto que hoje, de uma ou outra forma, todos somos Narcisos, refletidos de um modo deformado, numa imensidão de água suja.


OBS: não consegui achar o autor.
Seria tão mais fácil se sumisses. De alguma forma seria tão mais fácil se não desses a mínima, se me chateasse e não se importasse, se não me pedisse desculpas. Se fosses covarde e não desses as caras. Seria muito mais fácil dizer que NÃO. Que basta, que chega e que pelo menos por enquanto quero ficar longe.

Mas...

Mas nada.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

.

Um e-mail que o assunto é "." é muito auto-explicativo.

E eu, eu poderia ter dito o que disse de uma forma mais branda, mais suave, menos direta. Eu conheço teu jeito, suas justificativas - e não desacredito. Mas eu estava brava. Queres sempre o controle da situação em suas mãos, então decidi sumir para que saibas que se queres ter o controle da situação, nem a situação terás.

Calei-me por alguns dias, coloquei-te na geladeira. Decidi que não brigaria, que não falaria uma palavra sequer, não responderia às suas justificativas. Ontem mudei de ideia. Havia tomado a decisão unilateral - sem te comunicar - de que bastava, que chega, saturou. E eu não precisava te dizer diretamente. Mas creio que precisava te dizer algo, o mais sincero possível. E disse, em uma linha e meia. Demonstrei meu descontentamento sem me justificar, sem me desculpar, sem explicar. Sabes que o maior sinal de que estou brava é não querer conversar. A pessoa pode me mandar um texto, um livro. Respondo com o mínimo de palavras que me for possível. E que fizeste o que bem entendesse com aquela uma linha e meia. Pensei que não responderias, respondeu e te respondi de volta, novamente monossilábica. Talvez eu tivesse muito para dizer, mas nada que eu achasse que valesse a pena ser dito. Falar do que foi pra você não vai nos livrar de passar pelo que passaremos.

Os momentos felizes, nossas conversas, os cafés, os compartilhamentos, o convite que o silêncio exibiu em cada olhar, os atos, os fatos, as atitudes, as palavras, os gestos e tantas coisas que transcenderam não só as palavras, mas também o léxico deixaram raízes e e sei que tendo a me apegar a isso e então repensar, acabar por ficar, pela nossa amizade. Mas não, não dessa vez. Claro que vai doer, E sentirei imensa saudade - de tudo. Saudade de lembrar de ti, querer contar ou te perguntar algo, mandar uma SMS e passarmos o resto do dia conversando. Mas decidi - e então está decidido. Escuto meu coração, sim. Mas faço o que acho que deve ser feito - e isso tem de me bastar.

Quando algo não funciona de uma forma, tenta-se de outra e quando não funciona também, talvez o melhor seja deixar de tentar. É um tempo que me dou. Permanece todo o sentimento, todas as horas boas, toda a amizade. Para mim, ir embora não significa não gostar, não sentir. Pode significar apenas que acho que devo ir embora e vou. Não tem nada a ver com não gostar. Sei partir e o sentimento permanecer ali, inalterado. Por isso não considero a partida definitiva. Não vivo na espera de voltar, mas não desconsidero voltar atrás.

Agora que aqui está registrado, fico mais leve. Deixa estar.

domingo, 16 de setembro de 2012

Das lembranças de algo que não é mais e não quer partir do pensar

Pus em quase todo lugar a foto mais bonita que eu fiz: você olhando pra mim.

Deus sabe, o que quis foi te proteger do perigo maior, que é você. E eu sei que parece o que não se diz...

E foi difícil ter que te levar àquele lugar...Como é que hoje se diz? Você não quis ficar.

O seu caso é o tempo passar, quem fala é o doutor...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Hoje deixei escapar teu nome sem perceber. O tempo cura e espanca.

Como pensar em poesia ou se as palavras conflitam?

É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto. É tão fútil dizer ser incerto.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Do fingir

Finjo fingir algo que realmente sinto. Finges até pra ti mesma que não és algo que no fundo te consideras - e que nem eu sei se realmente és.

Deixa estar ou não estar

Desisti de pensar, de tentar entender. O único plano é não planejar.

domingo, 9 de setembro de 2012

Pai

Pai, por que não queres me ver? Não queres?

Até onde eu saiba - porque não sei se sei muito sobre ti - sou tua única filha. E não existe ex filha.

Pai, a vida passa tão rápido...a mãe já compreendeu isso, queria que compreendestes também.

Fugir não adianta. A fraqueza só nos magoa e a quem nos gosta. Ser forte e encarar as coisas que ficaram embaixo do tapete adianta, pai. Juro.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Ela, fumando debruçada na janela que dava pro silêncio de uma cidade que ainda o mantém nas sextas-feiras à noite, disse após uma longa pausa:

- Anna, percebe como eu e o teu orgulho não conseguimos mais conviver?

Sei do incômodo e ela tem razão, só não sei o que fazer com isso.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Adeus você

Adeus você
Eu hoje vou pro lado de lá
Eu tô levando tudo de mim
Que é pra não ter razão pra chorar
Vê se te alimenta
E não pensa que eu fui por não te amar

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão

Quero ver você maior, meu bem.

Pontuações

Hoje acordei decidida a colocar um ponto final em nós. Já tentei tantos que viramos longas reticências. Repensei. Que não seja um ponto final o que vou colocar, então. Que não seja pontuação nenhuma, risco nenhum de tinta ou de lápis no papel. O espaço da nossa história em branco, dentro da nossa gaveta, pra que não fiquemos olhando. E que só retiremos de lá quando e se acharmos necessário.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Esforço-me para te esquecer. Aí então invades meu sono, meus sonhos, meus estados de semi consciência, em que não posso decidir se penso ou não em ti.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


"O sereno escorre no vidro brilhando, né?! E o brilho me lembra o olhar da minha mulher. E aí já vem outros  500 mil pensamentos prevendo pra onde é que vai meus relacionamentos. Se o sofrimento, fi, é tão comum de onde eu venho dá mó medo da distância matar tudo que eu tenho. Distância, amigo, não é vários quilômetros quadrados. Quantas vezes cê tá distante mesmo tando do lado..."

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Faça o que queres


Hoje de manhã vindo trabalhar liguei pra minha mãe e disse que to indo pra lá no feriado. Não pedi pra ninguém, não perguntei se devia, decidi sozinha em 30 segundos. Cheguei no trabalho e liguei pro meu pai e pro meu tio. Sem pensar muito, na verdade quase nada. Fiz essas três coisas que eu precisava. É isso que a gente precisa e muitas vezes não vê: fazer o que o coração diz.

Pode soar clichê, bom, talvez seja. Mas não é porque algumas coisas são clichês que não são verdadeiras. E se são verdadeiras, são necessárias.

Às vezes o que a gente precisa é ligar se tem vontade, ir visitar, chamar pra sair, pra conversar. Conforta o coração.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Mãe, quero que saiba que superei - e acredito que há um bom tempo, pela minha idade - o fato de pensarmos diferente em algumas coisas. E fico feliz que consigamos conversar e dialogar apesar disso.

Mas não dá pra negar todo o tempo que sinto falta de poder conversar algumas coisas contigo. Não dá pra negar em momentos como agora, que escrevo esse post segurando o choro no gabinete, pela angústia que dá não poder dividir mais coisas contigo.

Muita gente diz que tu pareces a Dilma. A comparação vem do mesmo jeito firme de falar, agir e conduzir as coisas. Da mesma firmeza no tom de voz, nas broncas e cobranças. Firmeza que às vezes faz chorar. Desde muito pequena me cobrava falar todo o português correto, sempre quando eu entrava no carro feliz por tirar 9, me perguntava por quê não tirei 10. Não há só o lado negativo, por seres tão exigente é que até hoje me cobro pra ir bem na faculdade, em todas as matérias, gostando ou não de todas elas.

Porém eu queria compartilhar contigo algumas coisas. Dividir alguns sentimentos, pensamentos, felicidades e também angústias, te mandar um e-mail falando das minhas inseguras, das minhas incertezas, dos meus medos, te pedir orientação. Não o faço porque sei que algumas destas questões te magoariam, preocupariam e então magoada, tu me magoarias e não teríamos dado nenhum passo pra frente, concordas? Quando não to bem e não quero conversar e tu me perguntas o que há, sempre respondo mal humorada que to cansada, que o dia foi corrido, que to cheia de coisa pra fazer, resolver e pensar. É verdade, mãe...mas os n motivos eu calo. Com o teu temperamento duro e severo, me repreenderias.

Mesmo assim tudo bem, mãe. Não quero e nem tenho o direito de pedir que sejas diferente em uma ou outra coisa, quando sempre esteve presente - ainda que do seu modo, mas esteve e está, com certeza da melhor forma que consegues. Tu és quem nunca me abandonou e não me abandona, mãe.

Talvez não me aceites em tudo que sou, mas mãe, eu te aceito do jeito que tu é. E não vou pedir pra que sejas mais flexível, mais compreensiva e acolhedora em alguns aspectos, quero é agradecer por ter uma mãe. Quanta gente não tem, né?! Por ter uma mãe que se esforça pra cumprir a tarefa da melhor forma. Que me criou da melhor maneira mesmo depois que meu pai foi embora de casa, mesmo sozinha, com uma separação, tanto trabalho e apesar de outras tantas dificuldades.

O necessário tu me dá, sempre me deu. O resto a gente procura uma forma de solucionar.

Obrigada, mãe.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Dei paz pro coração. Agora é cobrir a marca de que alguém ainda vive nele. Talvez eu assista à versão nova de uma velha história. Acostumar-me novamente a ouvir de quem fico "me diz, o que você tá sentindo? Porque você nunca demonstra expressão nenhuma e fico tentando saber." e procurar um jeito mais sutil de dizer que é porque eu não sinto nada. Sutil, mas que deixe claro que não sinto. Nunca me proíbo gostar de alguém, mas pra mim é natural que raramente aconteça. Também não sei fingir, e nem tento. Não vejo motivos.

Volto a tratar as meninas com respeito, consideração e não mais que isso, a não querer que conheçam meus amigos, que entrem no meu quarto, que durmam na minha casa.

Não quero compartilhar o sono com alguém, mas não quero mais dormir com fantasmas.

domingo, 5 de agosto de 2012

Ô, chegaí!

Fico só olhando no rolê, pra ver qual brilha mais.
Quer a eternidade pra ser amada,
Mesmo que a eternidade desse amor dure uma madrugada
Trazendo as estrelas no olhar, me instiga,
Gosto de vê-la sorrir cas amigas

Minha cara de inocente rende várias alegrias,
Começa em "oi tudo bem?", termina em "bom dia"...
Os paquitão quer morrer na balada,
Porque fico de canto lá como quem não quer nada,
Elas cola sorrindo, me fala umas parada...
Respondo, elas diz: "que lindo", já era, tem mais uma apaixonada

Deixo ela dançar, deixo ela fumar,
Deixo ela beber só pra ver onde vai dar...
Quase incapaz de dizer não, eu digo: calma filha, deixa que agora eu assumo a direção.

sábado, 4 de agosto de 2012

Hoje depois de almoçar e colocar a conversa em dia com a Sharon, compartilhamos a mesma questão: por que os sentimentos não cabem na teoria?

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O esporte, a luta e a superação

Hoje cheguei no trabalho e, como de costume, peguei meu chá e passei os olhos pelas capas dos jornais do RS. A capa do Zero Hora me chamou a atenção. Pena que não achei pra postar aqui, é uma foto da Mayra beijando a medalha.

A menina guerreira de 20 anos perdeu a luta que permitiria que ela seguisse rumo ao ouro, engoliu o choro, manteve o foco e, mesmo com dores - físicas e emocionais - vindas luta anterior, foi buscar o bronze.

Mais uma vez o esporte nos mostrou que não é só atividade física, nos ensina a cair, levantar e seguir em frente. Como disse Aldo Rabelo, o esporte nos ensina manter a dignidade quando perdemos e a manter a humildade quando ganhamos. E buscar a cada dia a superação, nos ensina a ter foco e disciplina - e disciplina é liberdade.

A yoga me ensinou que quando estamos em uma posição desconfortável é preciso respirar e se comprometer a aguentar um pouquinho mais. Cada vez um pouquinho mais, até poder mudar de posição. Se a gente pensasse no tempo total que teríamos de permanecer daquele jeito, logo desistiríamos. Sem pensar no total, só em aguentar um pouco, de pouquinho em pouquinho a gente consegue ir até o fim.

Com o jiu jitsu aprendi como cair. Sim, a primeira coisa que a gente aprende nessa arte marcial não é como derrubar, enforcar ou dar uma chave de braço. A primeira coisa que a gente aprende é de que forma cair pra não se machucar. Quantas vezes a queda é inevitável?! Então que saibamos cair de forma que a gente não se machuque - ou pelo menos não tanto. Depois a gente aprende a se equilibrar, a ter jogo de cintura, de quadris e também a ter agilidade, pra poder se livrar da maioria de quedas possíveis. Quando a gente tá no chão, aprende a ver que às vezes assim temos mais possibilidades de golpe do que se estivéssemos em pé, contanto que saibamos aproveitar as vantagens disponíveis.

Com o boxe aprendi a ter resistência, a respirar da forma correta, manter a guarda e o mais importante - aprendi a ter disciplina e me superar. Meu professor é um guerreiro. Guri pobre, queria ser lutador de qualquer maneira. Veio do nordeste pra São Paulo lutando - e pra lutar. Se tornou campeão brasileiro Cada vez que a gente não conseguia cumprir tarefa, sem dó, sem pena, mesmo que eu estivesse sem ar o Praxedes me fazia pagar. Tinha que correr, fazer flexão, abdominais...e tinha que aprender como respirar pra fazr isso. Aprendi a ter a disciplina de lutar três vezes por semana e fazer atividade aeróbica seis, sob pena de, treinando menos que isso, ficar exausta e dolorida a semana toda.

Viver é lutar. Sentimos o sufoco desse jogo que às vezes é tão duro, parece que não temos fôlego, esquecemos de respirar ou de como respirar, caímos, nos machucamos, perdemos algumas batalhas. E aí? Aí a gente se levanta, respira, aprende a respirar, vai em busca da superação. Com ou sem do, cansados ou não. A gente nem pensa na dor, no cansaço, no sofrimento, no medo, na insegurança, nos contras, no adversário...Só se foca em fazer o melhor pela vitória e vai em busca dela. Quando perdemos a oportunidade de no momento seguir em busca do ouro, lutamos pelo bronze até poder lutar de novo pelo ouro. Sim, porque isso é não jogar a toalha, é não desistir. E não desistir é crescer. Resistir é se superar.

Sartre já dizia que não importa o que façam conosco, o que importa é o que NÓS fazemos com isso! Não podemos evitar algumas coisas, não temos o controle de todas as situações que afetam nossa vida, é verdade. Mas nós que escolhemos como vamos lidar com elas. Eu já disse isso aqui, o medo nunca é o melhor aliado. A coragem é a melhor aliada. Quando a gente quer algo, há a probabilidade de dar certo ou errado. Na maioria das vezes a gente só descobre se tentar, se for em frente esquecendo o medo, já que ele cega nossos sonhos e nos tira nossa força.

Só sonhar não dá em nada, é uma festa na prisão. O sonho só vale se caminhar sempre ao lado da luta. Afirmaria o sábio Che "Sonhas e serás livre de espírito... lutas e serás livre na vida.". O que será de nós se não formos livres de espírito e na vida?

Tudo isso me faz seguir em frente, e muito foi o esporte que ensinou. Fico feliz que nosso país esteja caminhando em direção à valorização do esporte - prova disso é a bolsa atleta. Esporte que nos faz aprender tanto, que nós traz saúde e que mantém tanto jovem longe da drogadição. Por isso defendo que o esporte tem de ser tratado como política pública. Faz a gente crescer, ser melhor conosco e com as pessoas.

E é pra isso que a gente tá aqui, não é?! Pra evoluir, pra ser melhor. Acredito que tudo faz mais sentido se a gente acredita que a vida pode ser melhor, se a gente coloca amor em tudo que faz...afinal, citando Che novamente "correndo o risco de parecer ridículo, deixem-me dizer-lhes que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor.".

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Hoje foi o tipo de dia em que vi as coisas sem conseguir olhá-las. Tem dia que a gente tá assim distante.
As pessoas falam, conversam e a gente só concorda com algumas frases prontas, ainda que verdadeiras. Ou só discorda dizendo "não acho que seja por aí.".

Tenho bastantes coisas pra escrever, mas hoje elas estão longe também. Então vou ler...pra ter letras, palavras, parágrafos, folhas inteiras, ideias perto.

Ler pra fazer sentido.

domingo, 29 de julho de 2012

A política refém do capital


"Um dos paradoxos da democracia moderna: sem dinheiro, não há o exercício do voto; com ele, e no volume exigido, a legitimidade do sufrágio é posta em dúvida. Esse é um dos argumentos de filosofia política contra o sistema capitalista, em que o poder do Estado é visto como um bem de mercado, que pode ser ocupado pelos que pagam mais.
(...)
A inteligência política é convocada a encontrar sistema de financiamento público de campanha, de forma justa e democrática, a fim de que todos os candidatos tenham a mesma oportunidade de dizer o que pretendem e pedir o voto dos cidadãos. Não é fácil impedir a distorção do processo eleitoral, mas é preciso construir legislação que reduza, se não for possível elimina-la, a influência do poder econômico no processo político."

Texto de Mauro Santayana
Integral em: http://cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5707

segunda-feira, 23 de julho de 2012


-  Cadê sua mulher?
- Se foi...
- Pra onde?
- Crescer...

Não sei se o mundo é bom
Mas ele está (estava) melhor
desde que você chegou
E perguntou:
Tem lugar pra mim?

Porque que você chegou
E explicou o mundo pra mim

sábado, 21 de julho de 2012

A família que a gente escolhe


Conheci o Fera quando recém entrei na UJS, oficialmente em março de 2011. Ele é camarada de partido e porteiro do sindicato dos metalúrgicos (onde sempre fazemos nossos eventos, plenárias e reuniões, nossa casa), nosso guardião.

O Fera é um dos caras mais inteligentes, mais sábios (e olha que essas duas qualidades são difíceis de encontrar numa só pessoa...) , mais vividos e com um dos corações mais bonitos que já vi. Ele me conheceu na época que eu recém me mudei pra Caxias e que eu voltava todo dia pra casa a pé e enquanto o povo reclamava de andar de ônibus, eu ficava feliz quando tinha o dinheiro da passagem. Esteve presente em situações de grande dúvida, tensão, mas também das grandes vibrações pelas vitórias da UJS. Foi o cara do partido que mais acompanhou a trajetória dos jovens do PC do B que militam na UJS, pelo menos desde que comecei a fazer parte dela.

Sempre soube que podia contar com ele, conversar, desabafar. Perdi as contas de quantas vezes sentei naquele sindicato e desabafei pra ele todas as preocupações, inquietações, inseguranças, incompreensões. Ele sempre me ouviu com todo o tempo do mundo, orientando da melhor forma e me fazendo sempre continuar, não jogar a toalha por pior que fosse o momento. Em uma dessas vezes, creio que na pior delas, que durou meses, alguns conflitos me fizeram desanimar, pensar em desistir - e muitos desistiram...mas por pessoas como o Fera (e inclusive ele) me lembrarem da importância de não entregar os pontos, resisti...sem saber o que aconteceria comigo, com a entidade, com cada militante, mas permaneci. E fui indicada a presidência da UJS. Valeu a pena ficar, mas não consegui ver isso pelos meus olhos todo o tempo.
Eu e o Fera ficamos muito amigos, mas ele é mais que um amigo pra mim, é como meu pai. Um dia desses me apresentei pra um camarada e ele me perguntou se sou eu a filha do Fera. E sim, é o pai que eu escolhi ter.

Lembro-me de quando no ano passado, depois de uma plenária, a nossa chapa ao DCE foi para um bar no Rio Branco e ele foi conosco. No caminho encontramos uns skinheads que criaram confusão com um camarada nosso, foi o Fera quem ajudou a contornar a situação e acalmou a galera. No final deu tudo certo, passamos todos uma noite bem legal no São Patrício.

Acho que foi nessa noite que contei a ele sobre minha família, minha mãe...e sobre meu pai, nossa relação e ao que levou a gente a não conviver. A história de família dele é muito parecida com a minha, só que em papéis diferentes. Ele foi o pai que esteve ausente, embora com motivos diferentes dos do meu pai. Ele foi o pai que não conseguiu se acertar com a mãe e saiu de casa. Eu fui a filha que os pais também brigavam muito, que o pai tinha vícios que não o permitiam viver em família, até que ele saiu de casa e...virou a página.
Não culpo meu pai. Hoje vejo que os vícios transformam quem é refém deles, não há culpados, não se questiona de quem é a culpa.

O Fera tem uma filha, a Camila. Conheci-a há algum tempo antes de conhecê-la. Sim, conhecia-a desde antes pela compaixão. Não a compaixão derivada das línguas do latim, que com o prefixo com — e a raiz passio, que significa “sofrimento”. É a compaixão das línguas germânicas, onde o significado da palavra assume um sentido de "co-sentimento", é compartilhar da mesma situação, da mesma vivência. Ele comentou comigo naquele dia que a Camila não entendia muito bem o fato de ele ter saído de casa. Eu entendia ele e entendia ela.

Apesar de não morarem mais juntos e do pouco contato, ele sempre mencionava ela, com muitos elogios. Contou que ela começou a participar do movimento secundarista, mas que havia se decepcionado com algumas coisas - e ótimo sinal que tenha se indignado com o que se indignou. Mais pessoas me falavam muito bem da Camila. Um dia adicionei-a no Facebook. Sempre curtia (literalmente também haha) as postagens dela, via uma menina muito coerente, sensata, capaz de ver o que pouca gente vê e - o mais importante - com muita vontade de mudar as coisas. Cresceu vendo a militância do Fera, um exemplo ali dentro da casa. A maioria das pessoas descobre que tem algo errado com o mundo em que vivemos depois que cresce e, depois de algum tempo algumas destas descobrem o quê. A Camila é uma das pessoas que cresceu sabendo que havia algo errado e sabendo o quê.

Chamava-a para as atividades, para os cursos, para os congressos, fazia o convite pra levar o namorado também, sempre fiz muita questão que fosse e por isso eu insistia, mas ela nunca foi. Mesmo assim a gente conversava, compartilhava das mesmas ideias, indignações e vontade de mudar as coisas. Alguém nos aproximou e um dia a Camila veio desabafar comigo que queria militar, mas não via espaço, inclusive por ser jovem. O mundo sempre encara ser jovem como um fato negativo. Disse pra ela se dar uma chance de participar de uma plenária da UJS, onde só jovens fazem parte e onde compartilhamos das mesmas vontades, sonhos e também descontentamentos, angústias. Ela foi e fez ótima participação, desde lá a Camila tem estado conosco, pegado junto e ajudado. Espero que ela permaneça e que mude muita coisa, com todo o potencial que tem!

O Fera continua sendo meu paizão, que eu escolhi pra fazer parte da minha família. Pai quando me ouve e me aconselha, que quando me vê triste conversa comigo até eu melhorar, que quando vou embora de noite do sindicato diz pra eu tomar cuidado na rua e não ficar andando por aí e ir direto pra casa, quando chego depois do trabalho no sindi louca de fome e ele já sabe e me faz comer.

A Camila além de camarada tá se tornando minha amiga, o que me deixa muito feliz.

É muito bom encontrar na vida pais e filhos tão valiosos como o Fera e a Camila, ainda mais quando passam a fazer parte da nossa.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

João Guimarães Rosa

É incrível como por mais que nos sintamos perdidos durante os processos, contanto que não sentemos à beira da calçada e lá fiquemos, as coisas começam a se ajeitar por si. Fluem, vão tomando forma.

Na hora pode parecer impossível, inconcebível, inimaginável, mas só até começarmos...porque o que a vida quer da gente é coragem, o resto às vezes parece ser consequência.

Picasso, um dos grandes gênios da história da arte já dizia que a inspiração existe, mas que precisa nos encontrar trabalhando.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Dos puxões de orelha, da idade, experiências e aprendizado


Todo trabalho exige algo de quem o exerce, o meu (no sentido amplo da palavra trabalho) faz com que eu me supere a cada dia. Preciso estar sempre de bem com a vida, ou pelo menos parecer estar. Posso estar desmoronando por dentro, mas preciso estar sorrindo, disposta a ouvir as pessoas, me conectar, ser gentil, conversar, propor...Falsidade? Não, obviamente! Meu esforço é baseado na ideia de que ninguém tem a ver com os meus problemas e não tem de pagar por eles. Preciso também saber ouvir vários lados e filtrar as ideias, adequar, remanejar, sugerir e preciso também motivar, propor, conduzir, tocar em frente, independente de todo o resto.

Percebi isso mais uma vez hoje, quando numa reunião enquanto as pessoas discutiam e eu estava atirada na cadeira, mexendo no celular...não digo que eu estivesse longe só porque eu sabia que eu não estava em lugar nenhum, aí um dos camaradas me chamou a atenção para as novas tarefas que me estavam sendo dadas e para o papel que tenho que cumprir. Nunca fico brava quando tenho a atenção chamada pelos meus camaradas, pelo contrário. Considero que isso me seja fundamental para despertar de vez em quando. Voltei pra casa preocupada, temendo não dar conta. Tenho 21 anos, às vezes não me sinto suficientemente capaz.

Com 21 anos não serei? Por favor, Anna! Será que não sabes que aos 15/16 anos Joana D'Arc comandava o exército francês que libertaria o país do poder da Inglaterra? Será que me enquanto penso isso me esqueço que aos 16 anos Alexandre assumiu temporariamente o reino da Macedônia e que aos 20 se tornou rei? Que aos 24 anos Camila Vallejo liderou uma das maiores mobilizações estudantis da história da América Latina? Então como posso eu não me achar capaz perante tarefas tão menores? Ser jovem não é não ser forte, não ser capaz. Não somos nós jovens que temos maior disposição e capacidade de transformar a frustração em energia para continuar lutando?!

Apesar de saber que com a minha idade muita gente por aí é chefe de família e tem responsabilidades muito mais duras, considero-me relativamente capaz para os meus "21 anos de praia", como dizem meus pais. Moro sozinha, trabalho, cozinho, lavo as minhas roupas, cuido da minha vida.

Que boa sensação é a de se emancipar, a da autonomia! Desde aos 14, com o hardcore descobri o feminismo, no mesmo ano com as aulas de história descobri o que havia de errado com o sistema. A partir daí comecei a ler Marx, Engels, George Orwell, Simone de Beauvoir, Rousseau...Mas só aos 16 anos tive a primeira das experiências que mais me fez crescer e amadurecer na vida: comecei a namorar. Todo mundo precisa de algo pelo que lutar, sempre tem algo que nos impulsiona, muitas vezes é o amor. Nem sempre - e que bom que não só - o romântico, mas também. No meu caso foi o amor por outra pessoa, sim, mas em primeiro lugar por mim. Foi a minha primeira experiência de enfrentamento, de oposição, coragem e resistência. Tive de achar força e coragem pra enfrentar minha família, a escola e a distância. Resistência pra continuar a luta, pra não abrir mão mesmo estando tanto tempo sem ver quem eu gostava e até sem previsão de quando veria. Amor por mim porque lutava pelo que eu queria, porque eu começava a lutar pelo direito ao proceder, ao querer, ao me posicionar, decidir, escolher. Naquele momento a rebeldia me tapava os ouvidos, hoje sei ouvir as pessoas, considerar diferentes pontos de vista e muitas vezes ceder no que é necessário, mas trago comigo a certeza que sou eu quem devo fazer minhas escolhas.

Saí de casa e essa foi outra grande decisão que mudou minha vida. Nenhuma outra experiência poderia ter me proporcionado tanta vivência, que eu colocasse tanto a mão na massa e o pé no barro. Que me fizesse conhecer tanto o mundo, a realidade da nossa gente, que eu, filha única de advogada de classe média, estudante de escola particular, nunca tinha presenciado. Muita gente não acreditou que eu conseguiria, lembro-me que no começo minha mãe era totalmente contra minha mudança e eu ainda não tinha recebido meu primeiro salário, então passava dias a pão de cachorro-quente e katchup. Mas resisti e me saí bem.

Pensar em tudo isso me dá coragem para seguir em frente, pensar que na minha idade ou com até menos muita gente já fez muito mais! E então seguir em frente com toda a coragem, por saber que o medo nunca foi e nunca será o nosso melhor aliado.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"Queria usar, quem sabe, uma camisa de força...ou de vênus"


É, é bem isso. Queria usar uma camisa de força e a coisa toda para não pensar, não sentir, para que meros devaneios tolos não me torturem.
Ou queria usar uma camisa de vênus, sim, uma camisinha - ainda que no sentido figurativo da palavra. Conhecer outras mãos, bocas, peitos, coxas, virilhas, no esforço de te esquecer...e enquanto isso não acontecesse, ao menos evitar pensar em ti o quanto me seja possível.

Mentira. No fundo, nada disso. O que eu queria mesmo é Neruda que sabe. "Quero fazer contigo o que a primavera faz com as cerejeiras.". E o que é que a primavera faz com as cerejeiras, o que quero fazer contigo? Fazer de ti uma pessoa melhor, maior, mais forte, com mais cores, mais bela e, sobretudo, mais madura.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Sobre política e jardinagem

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim vocare, quer dizer chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’. No lugar desse ‘fazer’ o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.

‘Política’ vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.

Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’.

O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.

Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.

Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.

Todas as vocações podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.

Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: ‘Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade... Ao contrário dos ‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem.’ Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.

Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs.

Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?

Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns poucos encontram vida e prazer.

Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam. (Folha de S. Paulo, Tendências e Debates, 19/05/2000.)


Rubem Alves

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Nem sob forte violência Dilma entregou os colegas


Durante quase um mês Dilma ficou sozinha na cela em Juiz de Fora, submetida a sessões de interrogatórios e a todo tipo de tortura.
A passagem de Dilma pelo cárcere de Juiz de Fora foi mais mineira, no sentido de reservada, mas nem por isso menos dura. Conforme depoimento pessoal, durante quase um mês Dilma ficou sozinha na cela, na condição de clandestina, sendo torturada em Juiz de Fora. “Fiquei em absoluto isolamento, mantendo contatos apenas com os meus torturadores, entregue por um carcereiro, que também me conduzia ao banheiro, quando conseguia andar. Nesse período, fui submetida, por quase um mês, a interrogatórios e a toda sorte de torturas”, revelou a presidente, por escrito, em documentação anexa ao depoimento pessoal, que consta do processo mineiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh-MG).
Nem sob tortura intensa, a então jovem militante política de esquerda, de codinome Estela, confirmou a suspeita de infiltração de colegas da própria organização no meio policial e militar. Tampouco revelou a identidade desses tais militantes infiltrados nem sequer o nome da organização a que pertencia. Somente em 2001, diante da dupla de estagiários do Conedh-MG, Dilma revelou o nome de todos os grupos a que pertencera. Em voz alta, revelou com todas as letras: “Eu pertenci às seguintes organizações: Colina, Polop, O… (lê-se Ó Pontinho) e VAR. A Polop deu Colina, VPR e POC”.
Na realidade, no período em que Gabriel (Ângelo Pezzuti) estava preso e tentava estabelecer contato com Mônica (Oroslinda) e com Estela, no início de 1970, Dilma já havia deixado a Colina. Sabe-se que, no fim de 1969, o Colina seria praticamente dizimada, com a prisão, tortura e perseguição de seus militantes em Belo Horizonte, obrigados a viver na clandestinidade no Rio, São Paulo e em cidades do interior do país. No carnaval de 1969, o Colina já havia sido fundida com a VPR e Estela passaria a adotar o codinome de Vanda. Antes disso, em uma fase de transição para a criação do novo grupo, Colina e VPR foram provisoriamente batizados de Ó Pontinho.
“Ainda vai ser necessário mais tempo para que essa história bonita de luta seja entendida sem paixão”, compara José Francisco da Silva, que era secretário-adjunto de Direitos Humanos na época e foi responsável por enviar a jovem equipe à capital gaúcha. Embora tivesse direito à indenização, por ter militado na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a antiga Fafich da Rua Carangola, Chico nunca reivindicou o valor, evitando qualquer risco de manchar a imagem da comissão mineira, a primeira do país a começar a pagar as indenizações às vítimas de tortura.
Perante os “meninos do Chico”, Dilma continua contando a história do Brasil depois de 31 de março de 1964, data do golpe militar. “Em Minas, fiquei só com a Terezinha. Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital”, continua a presidente. Não se sabe quem teria sido essa Terezinha.
No movimento de esquerda de BH, onde Dilma militava, não há registros conhecidos da participação de uma Terezinha, nem com esse nome verdadeiro nem falso. “Eu me lembro da Dilma quando ia visitar a minha mãe na prisão. Eu tinha apenas 15 anos. Gostaria de me esquecer dessas memórias”, afirma Eugênia Cristina Godoy de Jesus Zerbini, hoje com 58 anos, advogada e escritora em São Paulo. Ela é filha da única Terezinha já citada nos escritos conhecidos sobre a época da ditadura. “Se a passagem deu-se em Minas, em 1972, asseguro que essa Terezinha não é minha mãe”, diz.
“Mamãe ficou detida de março a dezembro de 1970 na Oban (Operação Bandeirantes) de São Paulo. Em 1972, ela não poderia estar em Juiz de Fora com a Dilma, pois já tinha ganhado a liberdade e me pegava diariamente na faculdade com seu Dodge Dart”, explica, por telefone, da capital paulista. Hoje com 84 anos, Therezinha Zerbini era casada com o general Euryale de Jesus Zerbini, desertor da ditadura, e fundou o Movimento Feminista pela Anistia, denunciando que havia perseguidos políticos sendo presos e torturados no Brasil.
E quanto ao estudante da Faculdade de Medicina da UFMG Ângelo Pezzuti, dirigente do Colina? Segundo o grupo Tortura Nunca Mais, Ângelo foi banido do país em 1970, trocado com outros 39 companheiros, inclusive o irmão Murilo Pezzuti, pelo embaixador alemão (esse foi um dos sequestros de embaixadores praticados pelas organizações de luta armada com o objetivo de libertar seus militantes torturados no país). Em 1971, Ângelo encontrou-se no Chile com sua mãe, Carmela Pezzuti, também banida do Brasil por suas atuações políticas. Com o golpe chileno, Ângelo foi para o Panamá e depois para a França, onde morreria em Paris, em 1974, em um acidente de motocicleta.
Repercussão
El Mundo (Espanha)
Dilma Foi torturada com choques elétricos durante a ditadura
Além de eletrochoques, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, sofreu pancadas que lhe arrancaram um dente, também enfrentando torturas psicólogicas com a simulação de fuzilamento, segundo divulgaram os jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.
ABC (Espanha)
Dilma Rousseff foi torturada com eletrochoques na ditadura
A presidente foi golpeada até que lhe arrancaram um dente e foi vítima de técnicas de tortura psicológica com a simulação de um fuzilamento, segundo divulgam os diários Correio Braziliense e Estado de Minas.
Te Interessa (Espanha)
A presidente do Brasil foi torturada com eletrochoque durante a ditadura
Dilma Rouseff relata os escabrosos métodos de tortura que sofreu durante os três anos em que esteve presa por se opor ao regime militar.
El Mercurio (Chile)
A imprensa brasileira revela as torturas sofridas por Dilma Rousseff
A presidente recebeu choques elétricos durante a ditadura, segundo divulgaram os diários Correio Braziliense e Estado de Minas.
Cooperativa (Chile)
Presidente relatou eletrochoques e pancadas sofridas durante a ditadura militar
Uma entrevista concedida pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais, em 2001, foi divulgada pelos diários Correio Braiziliense e Estado de Minas, em que ela relata as torturas sofridas quando esteve presa na ditadura.
Emol (Chile)
Imprensa brasileira revela torturas sofridas por Dilma durante a ditadura
A presidente sofreu choques elétricos durante a ditadura, segundo divulgaram os diários Correio Braziliense e Estado de Minas.
Crónica Viva (Argentina)
Brasil: meios revelam detalhes de torturas a Dilma Rousseff
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, foi torturada com eletrochoques enquanto permanecia presa durante a última ditadura brasileira, informa neste domingo a imprensa deste país.
24 Horas (Peru)
Dilma Rousseff recebeu choques elétricas e pancadas durante a ditadura brasileira
A presidente do Brasil foi torturada com largas sessões de eletrochoques e simulações de fuzilamento entre 1970 e 1973, quando era militante de esquerda e lutava contra o regime militar, informou a imprensa de seu país.
El Financiero (México)
Dilma Rousseff, vítima de tortura
A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, relatou em 2001 a uma comissão de direitos humanos as torturas que sofreu entre 1970 e 1973, quando aos 20 anos militava no Comando da Libertação Nacional (Colina), segundo revelaram os jornais Correio Braziliense e Estado de Minas.
O Globo
Documentos detalham tortura sofrida por Dilma na ditadura
Em relato inédito, a presidente Dilma Rousseff contou detalhes de sessões de tortura às quais foi submetida na prisão em Juiz de Fora (MG), quando presa política, na década de 1970. Ela narrou seu sofrimento ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas (Conedh-MG), que a ouviu em 2001, nove anos antes de ascender ao Planalto. O depoimento, divulgado pelo jornal Estado de Minas expõe um capítulo ainda pouco conhecido da militância política da petista: os castigos em seu estado natal, onde iniciou a trajetória subversiva.
Fonte: Estado de Minas

A luta e a vida


"Há pessoas que lutam um dia e são boas,
há outras que lutam um ano e são melhores,
há aquelas que lutam muitos anos e são muito boas,
mas há pessoas que lutam a vida toda,
estas são imprescindíveis."
- Bertold Brecht

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Amputações - Martha Medeiros

Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame.

Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até a cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da TV quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extremas, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito.

Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover e, não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o “Pedaço de Mim” da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida.

Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho sangra. Machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar.



Jornal Zero Hora, 31 de julho de 2011.

sábado, 23 de junho de 2012

Fala desse livro que cê leu, do filme que cê viu
Do lugar que cê já foi, das músicas que curtiu, tudo.
Quero seu mundo como lar, ei
Do seu lado sinto que achei meu lugar
Nem direto como Catra, nem meloso como Vando
Tentando te fazer sacar do que tô falando
Eu enrolo, eu olho, se pá
Sem me entregar sem estragar, vô devagar

Não Vejo a Hora - Emicida

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sapato Novo


(...) - bem, como vai você?
- levo assim, calado,
de lado do que sonhei um dia
como se a alegria recolhesse a mão
pra não me alcançar

poderia até pensar que foi tudo sonho
ponho meu sapato novo e vou passear
sozinho, como der, eu vou até a beira
nem choro mais
só levo a saudade, morena
e é tudo que vale a pena

terça-feira, 22 de maio de 2012

Escutatória


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma“. Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.

Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.

Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.“ E assim vai a reunião.

Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto... (O amor que acende a lua, pág. 65.)

Rubem Alves

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Acorda, Anna. Você já tá bem crescidinha, já dormiu demais.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Do ciúme

Se tem algo que aprendi é que não devemos cobrar nem as pessoas que "temos direito" de cobrar. Então quem dirá as que não "temos direito" de exigir algo...
Sim, o "ter direito" entre aspas porque ele é um tanto quanto discutível.


Nessas horas "do que eu preciso é lembrar, me ver, antes de te ter e de ser teu o que eu queria, o que eu fazia, o que mais?", como canta o Amarante.


Alguma coisa a gente tem que amar, mas o que eu já não sei mais!

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O atraso e a ausência

- Quem chegou depois da chamada?
- Eu, professora. Sempre chego atrasada, mas sempre chego.

Não será pior - e bem pior - a ausência que o atraso?

Não.

Hoje, apesar de estar na aula, não quero saber de credores, devedores solventes ou insolventes, de de cujus, das obrigações. Sejam elas de dar, de fazer ou de não fazer. Simples ou complexas.
Hoje minha cabeça não tá aqui, não sei o que é código civil. Não. Que meu corpo físico presente baste.

sábado, 28 de abril de 2012

Everybody wants to be found.

A gente procura tanto se mostrar forte, se condena tanto e também aos outros por se apegar demais a uma pessoa, seja ela uma amiga, uma namorada ou qualquer outro papel, até os que não tem uma definição...e bom, é muito provável que isso não seja mesmo o certo a fazer, mas é um tanto quanto compreensível.

É tão difícil conhecer alguém que realmente nos entenda, compartilhe as mesmas idéias, pensamentos, visão de mundo, mesmos gostos, mesma sintonia - e ao mesmo tempo que é difícil que isso ocorra, nos é tão necessário - que puxa, como não se apegar um bocado quando encontramos?

Necessário sim, porque todo mundo tem necessidade de ser entendido, de compartilhar, de estar em sintonia, para que assim de alguma forma se sinta parte do mundo. A gente sempre tende a querer se sentir parte.

Na verdade ninguém quer fugir, quer mesmo é ser encontrado.

Especulação em torno da palavra homem - Carlos Drummond de Andrade


Elegia 1938 - Carlos Drummond de Andrade


sexta-feira, 27 de abril de 2012

A Arte de Engolir Sapos

O Adão, meu amigo, professor de biologia, já encantado, amava os sapos.
Dedicou sua vida a estudá-los. Estudava e admirava. Era capaz de identificá-los não só por sua aparência física como também pelo seu canto.
Acho que o Adão achava os sapos bonitos. E é certo que eles têm uma beleza que lhes é peculiar. O filósofo Ludwig Feuerbach diria que para os sapos não existe nada mais belo que o sapo e, se entre eles houvesse teólogos, haveriam de dizer que Deus é um sapo. Cada forma de vida é o Bem Supremo para si mesma.

Eu mesmo, sem ter a sensibilidade do Adão, escrevi um livro para crianças em que um dos heróis é o sapo Gregório. Mas desejo confessar que não acho os sapos bonitos. Bonita eu acho a sua cantoria durante a noite, a despeito da sua falta de imaginação e monotonia. Mas o que ela perde em riqueza estética é plenamente compensado pelo seu poder hipnótico, o que é bom para fazer dormir.

Mas o fato é que nós, humanos, não consideramos os sapos como animais com que gostaríamos de conviver. Ter um cãozinho, um gato ou um coelho como bichinho de estimação, tudo bem. Mas se o menino quisesse ter um sapo como bichinho de estimação, os pais tratariam de leva-lo logo a um psicólogo para saber o que havia de errado com ele. Sapo é bicho de pesadelo.

Quem sugere isso são as Escrituras Sagradas. Está relatado, no capítulo oitavo do livro de Êxodo que Deus, para dobrar a obstinação do faraó egípcio que não queria deixar que o povo de Israel se fosse, enviou-lhe uma série de pragas de horrores, uma delas sendo a dos sapos. Diz o texto que a praga era de rãs, mas não faz muita diferença. “Eis que castigarei com rãs todos os teus territórios, o rio produzirá rãs em abundância, que subirão e entrarão em tua casa, no teu quarto de dormir, e sobre o teu leito, e nas casas dos teus oficiais, e sobre o teu povo, e nos teus fornos e nas tuas amassadeiras. ” Já imaginaram o horror? A gente entra debaixo das cobertas e sente o frio das rãs que lá estão. Morde o pão e dentro dele está uma rã assada.

Nas estórias infantis é a mesma coisa. A bruxa poderia ter transformado o príncipe numa girrafa, num tatu ou num gato. Escolheu transformá-lo no mais nojento, um sapo. E há aquela estória em que o sapo queria dormir na cama com a princesinha. Tão horrorizada ficou de ter de dormir com um sapo que ela, para evitar os beijos e seus desenvolvimentos inevitáveis, pegou-o pela perna e o jogou contra a parede. Esse ato teve efeito mágico pois que, ao cair no chão, o sapo transformou-se em príncipe. Já aconselhei pessoas a lançar contra a parede seus sapos e sapas conjugais, para ver se o contra-feitiço funciona também para os humanos. Parece que não.

O horror do sapo parece também numa sugestiva expressão popular: “ter de engolir sapo”. Por que não “ter que engolir gato”, “ter de engolir borboleta”, “ter de engolir tico-tico”? Porque mais nojento que sapo não existe.

Essa expressão traz o sapo para o campo das atividades alimentares. Engolir é comer. O ato de comer é presidido pelo paladar. O paladar é uma função discriminatória. Ele separa o saboroso do não saboroso. O saboroso é para ser engolido com prazer. O não saboroso, o corpo se recusa a comer. Cospe. “Ter engolido sapo”: ser forçado a colocar dentro do corpo aquilo que é nojento, repulsivo, viscoso, frio, mole.

Não há forma de engolir sapo com prazer. Engolir um sapo é ser estuprado pela boca. Há um ditado inglês que diz: “If you are going to be raped, and there is nothing you can do about it, relax and enjoy it” : se você vai ser estuprado e você não pode fazer nada para impedi-lo, relaxe e trate de gozar o mais que puder. Esse ditado sugere a possibilidade de se sentir prazer em ser estuprado. Pode até ser. A psicanálise me ensinou a aceitar a possibilidade dos mais estranhos prazeres perversos. Mas não há relaxamento que faça do ato de engolir sapo uma experiência prazerosa.

Por que engolir um sapo?

Há pessoas que engolem sapos por medo. Bem que seria possível evitar a repulsiva refeição: o sapo é um sapinho. Mas elas preferem engolir o sapo a enfrentá-lo. Não têm coragem de pegá-lo e jogá-lo contra a parede. Pessoas que fizeram do ato de engolir sapos um hábito acabam por ficar parecidas com eles: andam aos pulos, sempre rente ao chão e coaxam monotonamente.

Mas há situações em que é inevitável engolir o sapo. Eu mesmo já engoli muitos sapos e disto não me envergonho. O meu desejo, com esta crônica, é dar uma contribuição ao saber psicanalítico, que até agora fez silêncio sobre o assunto. Muitos dos sintomas neuróticos que afligem as pessoas resultam de sapos engolidos e não digeridos.

Tudo começa com um encontro: à minha frente um sapo enorme, ameaçador, com boca grande. A prudência me diz que é melhor engolir o sapo a ser engolido por ele. É melhor ter um sapo dentro do estômago(sapos engolidos nunca vão além do estômago) do que estar no estômago do sapo.

Aí, impotente e sem ações, deixo que ele entre na minha boca, aquela massa mole nojenta. É muito ruim. O estômago protesta, ameaça vomitar. Explico-lhe as razões. Ele cessa os seus protestos, resignado ao inevitável. Não consigo mastigar o sapo. Seria muito pior. Engulo. Ele escorrega e cai no estômago.

Alimentos não digeríveis são eliminados pelo aparelho digestivo de duas formas: ou são expelidos pelo vômito ou são expelidos pela diarréia. Os sapos são uma exceção. Não são digeridos mas não são nem expelidos pelas vias superiores e nem pelas vias inferiores. Os sapos se alojam no estômago. Transformam-no em morada. Ficam lá dentro. Por vezes hibernam. Mas logo acordam e começam a mexer.

Ninguém engole sapo de livre vontade. Engole porque não tem outro jeito. Tem sempre alguém que nos obriga a engolir o sapo, à força. A pessoa que nos obriga a engolir o sapo, a gente nunca mais esquece. Diz a Adélia que “aquilo que a memória amou fica eterno”. Aí eu acrescento algo que aprendi no Grande Sertão. Conversa de jagunços matadores. Diz um: “Mato mas nunca fico com raiva”. Retruca o outro, espantado: “Mas como?” Explica o primeiro: “Quem fica com raiva leva o outro para a cama.” É isso. A gente leva, para a cama, a pessoa que nos obrigou a engolir o sapo. A raiva também eterniza as pessoas. Não adianta falar em perdão. A gente fica esperando o dia em que ela também terá de engolir um sapo. Ou como dizia uma propaganda antiga de loteria, a gente reza: “O seu dia chegará...” (O amor que acende a lua, pg. 105.)


Rubem Alves